Natural de Paraguaçu Paulista,
Estado de São Paulo, onde nasceu em 4 de
outubro de 1928, filho de Sebastião Leite e de dona Iracema Rodrigues Prates,
era conferente da Sorocabana, Delegado Regional da União dos Ferroviários da
Estrada de Ferro Sorocabana e vereador à Câmara Municipal de Presidente
Prudente. Em virtude de sua atuação no meio sindical, era rotulado pelos órgãos
da policia politica como comunista e agitador, tendo seus passos constantemente
monitorados pelo DOPS, que enviava informes constantes a seu respeito para a
capital do Estado.
Ingressou nos quadros da ferrovia
em 04 de setembro de 1945, ocupando o cargo de praticante, vindo a ser
promovido para as funções de auxiliar, agente e conferente, atuando de forma
constante nas lutas reivindicatórias da classe ferroviária, sendo que residindo
em Presidente Prudente, elegeu-se vereador nas eleições de 1959, pelo Partido
Trabalhista Nacional –PTN e em 29 de
dezembro de 1961, o delegado Guilherme Vieci, enviava comunicado para São Paulo,
informando que Ataliba Pires de Campo tinha sido eleito presidente da Câmara
Municipal para o ano de 1962, tendo José Leite como seu vice.
Em 29 de julho de 1963, o Bispo da Diocese de
Presidente Prudente, Dom José de Aquino Pereira, encaminhou correspondência ao
senhor Raphael de Luccas, da direção da Sorocabana, nos seguintes termos:
“... aqui vão as informações
solicitadas, embora com um pouco de atraso, bem involuntário, e também com
algumas falhas, principalmente no que se refere a endereços.
... como o trabalho foi discreto,
não quis estar interrogando ninguém, justamente para não levantar suspeitas ou
mesmo, curiosidade. Vai à relação, sem assinatura e sem papel oficial meu
justamente por seu caráter reservado. Espero contribuir um pouco para completar
suas listas e, se isto fosse possível, gostaria de receber confidencialmente
outros nomes que aqui existam e que eu não conheça. Queira apresentar meus
cumprimentos aos seus dois colegas de trabalho. Quero agradecer-lhe também o
interesse tomado pelo donativo da pedra britada. Já recebi comunicado que foi
concedido. Estou agora esperando a concessão do veiculo para o pároco de
Teodoro Sampaio. Junto a minha, transcrevo a lista por ele enviada...”
Comunistas e agitadores:
José Salas Molina, sitiante; Manuel
Amorim, ferroviário; José Leite, ferroviário e vereador; professor David Serra;
Alexandre, José e Inácio Fernandes, comerciantes e parentes; Antonio de
Almeida, corretor e fazendeiro; Abílio Augusto Cepede, fazendeiro, ardoroso
defensor da causa comunista, tem filho estudando na Rússia; Geraldo Marques
Fernandes, médico, procura até imitar Fidel Castro na barba, hospedou em sua
casa, durante meses, o agitador rural, Jofre Correa Neto; Júlio de Abreu,
médico.
A relação está incompleta,
entretanto, demonstra de forma cabal, a colaboração dos conservadores da igreja
católica nos preparativos do golpe militar, atuando em suas comunidades, com a
finalidade de levantar informações e subsidiar os órgãos repressivos. O que
causa estranheza nas informações prestadas pelo Bispo são as contrapartidas
oferecidas pela direção da Sorocabana por estas informações. As trinta moedas
recebidas por Judas Iscariotis para entregar Jesus, parecem ter se multiplicado
na diocese de Presidente Prudente na época, transformando-se em pedra britada e
até um automóvel para uso de um padre. Se isto ocorresse hoje em dia, com toda
certeza seria motivo de denúncias da pratica de corrupção na autarquia,
entretanto, vivíamos o período de um dos governos de Adhemar de Barros, um dos
governadores que apoiaram os militares no dia 1º de Abril de 1964 e a pratica
da corrupção em seus governos, era visível a olho nu. Estranho, era até a
Igreja se render a famosa “caixinha do Adhemar”, em busca de benesses para seus
membros.
Em 9 de outubro de 1963, o Delegado Regional de
Policia de Assis, Joaquim Gusmão Filho, informava aos seus superiores que às
18:00 horas, havia se encerrado assembleia com a presença de aproximadamente
300 ferroviários, nas dependências do Cine São Paulo, na qual se tratou da
deflagração da greve, às 0:00 horas do próximo dia 12. Informava ainda que
Norberto Ferreira presidiu o evento e da mesa participaram: José Paes, 2º
secretario da União; Antonio Augusto Mendes; Vicente de Paula e Silva,
representante de Rancharia; Alberto Gabeloni, representante de Presidente
Prudente; Vitorino Antunes de Moraes, da via permanente; Antonio Cardoso de
Moraes, representante dos chefes de trem, Francisco Gomes, representante da
UNIÃO de São Paulo e José Leite, ferroviário e vereador em Prudente. O assunto
principal foi o não cumprimento de acordo para pagamento de atrasados a partir de 1º de março, com a categoria
deliberando não aceitar que o pagamento fosse a partir de 1º de julho.
Em 10 de outubro, o delegado de
policia informava por Radiotelegrama, a relação dos vereadores eleitos em
Prudente, nas eleições daquele ano e dentre eles, José Leite.
Em 13 de Abril de 1964, o
delegado de Presidente Prudente, Custódio Sampaio enviava radiotelegrama para
São Paulo, informando que Leite era agitador grevista, pertencendo a UNIÃO e a
Frente de Mobilização Nacional, merecendo registro o fato de nesta data Leite
já estar preso em São Paulo.
Em 11 de maio de 1964, o Delegado
Regional de Policia de Presidente Prudente, Custodio Pinto Sampaio, informava
que os vereadores Jose Leite e Rafael de Lala Sobrinho estavam sendo sindicados
pela Câmara Municipal que investigava suas possíveis atividades subversivas.
Leite era acusado de pertencer a UNIÃO e a Frente de Mobilização Nacional,
sendo que os trabalhos da comissão sindicante ainda não haviam sido encerrados
e que naquele momento, o mesmo não estava desenvolvendo atividades subversivas.
Em 26 de maio de 1964, em sessão
da Câmara Municipal de Presidente Prudente, utilizando-se da tribuna, denunciou
o tratamento que havia recebido no presídio no período de vinte e três em que esteve preso, por ocasião da eclosão do
Golpe Militar de 1º de Abril de 1964, denunciando ainda que foi preso por
denúncia, a policia, por parte do
vereador Ivan Nogueira de Almeida, acabando por se referir a mãe do
denunciante, o que acabou gerando tumulto naquele legislativo, e segundo radio
telegrama enviado pela policia prudentina para São Paulo, o tumulto enveredou
para pancadaria com envolvimento de Leite, Ivan e mais os vereadores: Joaquim
Zeferino Nascimento, Ubaldo Gomes Correa e Thomé Atala, com o plenário se
transformando em um pandemônio, segundo o agente policial.
Logo depois, em 3 de junho, a
Comissão Sindicante da Câmara Municipal, apresentava seu relatório final. Vamos
a ele:
“... em cumprimento a deliberação
desta douta Câmara Municipal, a Comissão Especial, composta pelos vereadores
infra-assinados, para o fim de apurar quanta haja em relação aos vereadores
Rafael de Lala, Demosthenes Basso e José
Leite, sobre atividades subversivas que eventualmente desenvolveriam,
vem apresentar seu relatório pela forma seguinte, para submete-lo a apreciação
do ilustre plenário: 1- O objetivo da Comissão Especial foi, precipuamente, o
de apresentar elementos a edilidade prudentina, a-fim-de que pudesse a mesma
integrar-se dentro do espirito da revolução de 31 de março, efetuando o expurgo
em seu meio dos vereadores porventura implicados nos movimentos subversivos que
justificaram a epopeia revolucionária de 1964.- 2 – Nesse sentido, pôs-se em
campo a Comissão, procurando por todos os meios em seu alcance, quer coligindo
dados na policia local, quer fazendo um retrospecto das atuações dos edis em
causa, quer tomando informações junto a
pessoas de todas as camadas sociais e classes profissionais, tendo chegado as
conclusões abaixo contidas.- 3- Preocupou-se ela em não se deixar levar pelas
paixões dominantes em épocas de grandes mutações sociais e politicas e sobretudo,
sem não se influenciar por insinuações e sugestões sem fundamento e causa,
trazendo exclusivamente os dados objetivos, comprováveis a qualquer tempo e por
qualquer pessoa, a-fim-de que a Câmara Municipal não viesse a laborar em erro,
cometendo injustiça contra seus pares.- 4- Face a inconveniência e a inanidade
de uma apreciação conjunta em relação aos nomes propostos, entendeu a Comissão
que deverá analisar separadamente as circunstancias relacionadas com cada um
dos senhores edis relacionados, por ser evidente a desvinculação entre os
mesmos e por diversas serem suas atuações politicas, quer seja no plenário da
Câmara, quer seja fora dele.- 5- Assim, desdobradas as apreciações, relata a
comissão, o conjunto de circunstancias, ligado a cada um dos vereadores
propostos: II – VEREADOR JOSÉ LEITE- Encontrava-se em suas funções de
ferroviário, por ocasião do movimento revolucionário de 31 de março, tendo
permanecido na cidade e em seu posto, após ele. Cerca de cinco dias depois do
início do movimento, por ordem radiográfica policial, foi detido para
averiguações, tendo sido liberado no mesmo dia, após prestar declarações
verbais que foram reduzidas a termos, perante Dr. Delegado Regional de Policia.
Decorridos alguns dias, foi detido e encaminhado ao DOPS, a ordem de cuja
instituição, permaneceu na capital por vinte e três dias, tendo sido liberado
após prestar depoimento. Segundo consta, nada foi apurado contra referido edil,
quanto a suas implicações com grupos de agitação politica organizados. Como é
sabido, o edil em causa é ferroviário, cuja classe tem estado em constantes
conflitos com os órgãos dirigentes, em razão de aumentos de vencimentos e
reinvindicações de vantagens funcionais. Tem ele assim, participado ativamente,
como líder classista, de todos estes movimentos. A Comissão chegou a conclusão
que deva ser mantido o seu mandato, eis que nenhuma prova cabal foi apurada
contra o mesmo edil, nem mesmo pelos órgãos especializados da Policia Estadual.
O relatório é assinado pelo
relator, vereador José Jorge Tannus; pelo presidente da Comissão, vereador
Moacyr Miranda; pelo vereador Aurelino Alves Coutinho, membro e Ippo Watanabe,
membro suplente.
Em 7 de outubro de 1964, por
decreto do governador Adhemar de Barros, foi demitido da ferrovia, com
embasamento no artigo 7º, alínea “g” do Ato Institucional de 9 de Abril, deste
mesmo ano. Logo no dia seguinte, Adelmo Santos Reis Vanalli, diretor da Rádio
Presidente Prudente, escreveu uma carta a uma pessoa identificada simplesmente
como Menezes, solicitando apoio a Leite. Vamos a ela:
“... o José Leite é nosso amigo
comum e agora foi atingido por uma decisão eminentemente politica, cujo
interesse, você bem conhece: alijá-lo da luta de oposição que até aqui tem
sustentado valentemente.
A titulo de enquadrá-lo no Ato
Institucional, acaba de ser exonerado da EFS.
Dai a razão pela qual não
titubeamos em dar-lhe nosso voto de confiança, na certeza de que privamos da
amizade de um espirito lutador e itimorato. Esperando que v. possa ampará-lo
neste difícil transe, aceite um abraço amigo...”
Em 4 de setembro de 1965, Leite
encaminhava requerimento ao Diretor da Estrada de Ferro Sorocabana:
“...considerando que em outubro
de 1964, fui demitido da E.F. Sorocabana
com base no artigo 7º do Ato Institucional, venho mui respeitosamente expor a
V. Excia., o seguinte:
Que fui detido pelo D.O.P.S., por
interferência direta de adversários políticos, ligados ao Governador do Estado,
onde estive preso durante o período de 5 de abril a 3 de maio de 1964, de onde
fui posto em liberdade sem prestar depoimento algum, ouvindo a simples
afirmativa do senhor delegado, que ali nada constava contra mim e que a própria
E. F. Sorocabana, por intermédio de seu diretor, dava a mesma informação.
Que fui demitido da E.F.
Sorocabana, também por simples perseguição politica do mesmo grupo, e que tal
perseguição não era desconhecida de V. Excia.
Diante destes fatos consumados,
tomo a liberdade de requerer de V. Excia., com base no próprio Estatuto dos
Ferroviários, o pagamento dos dias em que estive detido, bem como o pagamento
de parte das férias e o 13º mês, correspondente ao período de janeiro a outubro
de 1964.
Sem mais, contando com a atenção
costumeira de V. Excia., firmo-me com estima e alta consideração...”
Em 11 de novembro de 1965, foi publicada
a lei 9081/65 que garantia uma pensão para as esposas dos funcionários públicos
demitidos, pensão esta com o valor correspondente a 50% do salário base, sem
considerar os benefícios que estaria recebendo, se na ativa estivesse
permanecido. Esta pensão era conhecida como “viúva para efeitos de
contabilidade” ou como “viúva com marido vivo”, e para poder recebê-la o punido
pelo Ato Institucional tinha que conseguir junto a uma autoridade ou a um
cartório, declaração onde constasse que o mesmo não exercia nenhuma atividade
laboral, junto a órgãos públicos. Como diziam os punidos, quando se
encontravam: para a esposa receber uma pequena pensão, tinham que conseguir um
atestado de vadiagem.
Coisas da ditadura.
Em 8 de março de 1967, o
então delegado de polícia de Presidente Prudente, Renato Ribeiro Soares,
encaminhava listagem dos comunistas e
agitadores da região, e claro, Leite estava nesta relação:
“...pertencia anteriormente ao
P.T.N., pertencendo atualmente ao MDB. Suspeito de possuir ideais comunistas,
tendo já sido exonerado do quadro de funcionalismo da Estrada de Ferro
Sorocabana, por haver praticado atos de caráter subversivo...”.
Posteriormente o delegado Renato
Ribeiro Dias foi acusado em Ribeirão Preto de ter torturado diversos militantes
da Frente de Libertação Nacional – FLN -, e dentre os torturados estava Madre
Maurina Borges da Silveira, que acabou sendo libertada por ocasião do sequestro
do cônsul japonês em São Paulo, ocasião em que a Vanguarda Popular
Revolucionária – VPR – solicitou a liberdade de cinco presos políticos, para
libertar o cônsul, dentre eles a Madre Maurina.
Reeleito vereador em 1968, no
relatório encaminhado para São Paulo é citada sua prisão e demissão da
Sorocabana, em 1964, sendo acrescentado que teve intensa participação, em
trabalho constante de agitação, quando da presença do líder camponês Jofre
Correa Neto na região. Jofre se notabilizou pela organização de trabalhadores
rurais em busca da reforma agrária e na região de Prudente, contou com o apoio
de Leite.
Em 13 de fevereiro de 1975, por
intermédio de oficio reservado, o Delegado Seccional de Polícia de Presidente
Prudente, Detio Frattini comunicava aos seus superiores:
“... pelo presente, oficio a V.
Sa., que faleceu em acidente automobilístico nesta cidade, Jose Leite,
residente nesta cidade, ex-vereador e ex-ferroviário, afastado da FEPASA,
participou de reuniões e greves, sendo preso na revolução passada, tendo sido
atuante no PC – Partido Comunista...”
Em 16 de julho de 2009, a
Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em sessão com a presença dos
conselheiros: Juvelino José Strozake, Rodrigo Gonçalves dos Santos e a relatora
Vanda Davi Fernandes de Oliveira, deram provimento ao requerimento de anistia,
formulado pela senhora Deolinda Gato Leite, viúva do ex-perseguido politico:
“... concedendo a declaração de
anistiado politico “post mortem” ao senhor José Leite, nos termos do artigo 1º,
inciso I da lei número 10559 de 13 de dezembro de 2002, e o pedido de desculpas
do estado Brasileiro”.
Neste processo, dona Deolinda foi
representada pelo autor deste livro.
José Leite, além da viúva
Deolinda, deixou os filhos: José Carlos, Maria Lucia, Gerson Ricardo e Maria
Antonia e escreveu uma bela história de vida, representada na defesa
intransigente da classe ferroviária, enquanto líder sindical e na defesa dos
interesses populares, enquanto vereador.