terça-feira, 23 de setembro de 2014

JOSÉ LEITE

Natural de Paraguaçu Paulista, Estado de São Paulo, onde nasceu em  4 de outubro de 1928, filho de Sebastião Leite e de dona Iracema Rodrigues Prates, era conferente da Sorocabana, Delegado Regional da União dos Ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana e vereador à Câmara Municipal de Presidente Prudente. Em virtude de sua atuação no meio sindical, era rotulado pelos órgãos da policia politica como comunista e agitador, tendo seus passos constantemente monitorados pelo DOPS, que enviava informes constantes a seu respeito para a capital do Estado.
Ingressou nos quadros da ferrovia em 04 de setembro de 1945, ocupando o cargo de praticante, vindo a ser promovido para as funções de auxiliar, agente e conferente, atuando de forma constante nas lutas reivindicatórias da classe ferroviária, sendo que residindo em Presidente Prudente, elegeu-se vereador nas eleições de 1959, pelo Partido Trabalhista Nacional –PTN e em  29 de dezembro de 1961, o delegado Guilherme Vieci, enviava comunicado para São Paulo, informando que Ataliba Pires de Campo tinha sido eleito presidente da Câmara Municipal para o ano de 1962, tendo José Leite como seu vice.
Em 29 de  julho de 1963, o Bispo da Diocese de Presidente Prudente, Dom José de Aquino Pereira, encaminhou correspondência ao senhor Raphael de Luccas, da direção da Sorocabana, nos seguintes termos:
“... aqui vão as informações solicitadas, embora com um pouco de atraso, bem involuntário, e também com algumas falhas, principalmente no que se refere a endereços.
... como o trabalho foi discreto, não quis estar interrogando ninguém, justamente para não levantar suspeitas ou mesmo, curiosidade. Vai à relação, sem assinatura e sem papel oficial meu justamente por seu caráter reservado. Espero contribuir um pouco para completar suas listas e, se isto fosse possível, gostaria de receber confidencialmente outros nomes que aqui existam e que eu não conheça. Queira apresentar meus cumprimentos aos seus dois colegas de trabalho. Quero agradecer-lhe também o interesse tomado pelo donativo da pedra britada. Já recebi comunicado que foi concedido. Estou agora esperando a concessão do veiculo para o pároco de Teodoro Sampaio. Junto a minha, transcrevo a lista por ele enviada...”
Comunistas e agitadores:
José Salas Molina, sitiante; Manuel Amorim, ferroviário; José Leite, ferroviário e vereador; professor David Serra; Alexandre, José e Inácio Fernandes, comerciantes e parentes; Antonio de Almeida, corretor e fazendeiro; Abílio Augusto Cepede, fazendeiro, ardoroso defensor da causa comunista, tem filho estudando na Rússia; Geraldo Marques Fernandes, médico, procura até imitar Fidel Castro na barba, hospedou em sua casa, durante meses, o agitador rural, Jofre Correa Neto; Júlio de Abreu, médico.
A relação está incompleta, entretanto, demonstra de forma cabal, a colaboração dos conservadores da igreja católica nos preparativos do golpe militar, atuando em suas comunidades, com a finalidade de levantar informações e subsidiar os órgãos repressivos. O que causa estranheza nas informações prestadas pelo Bispo são as contrapartidas oferecidas pela direção da Sorocabana por estas informações. As trinta moedas recebidas por Judas Iscariotis para entregar Jesus, parecem ter se multiplicado na diocese de Presidente Prudente na época, transformando-se em pedra britada e até um automóvel para uso de um padre. Se isto ocorresse hoje em dia, com toda certeza seria motivo de denúncias da pratica de corrupção na autarquia, entretanto, vivíamos o período de um dos governos de Adhemar de Barros, um dos governadores que apoiaram os militares no dia 1º de Abril de 1964 e a pratica da corrupção em seus governos, era visível a olho nu. Estranho, era até a Igreja se render a famosa “caixinha do Adhemar”, em busca de benesses para seus membros.
Em  9 de outubro de 1963, o Delegado Regional de Policia de Assis, Joaquim Gusmão Filho, informava aos seus superiores que às 18:00 horas, havia se encerrado assembleia com a presença de aproximadamente 300 ferroviários, nas dependências do Cine São Paulo, na qual se tratou da deflagração da greve, às 0:00 horas do próximo dia 12. Informava ainda que Norberto Ferreira presidiu o evento e da mesa participaram: José Paes, 2º secretario da União; Antonio Augusto Mendes; Vicente de Paula e Silva, representante de Rancharia; Alberto Gabeloni, representante de Presidente Prudente; Vitorino Antunes de Moraes, da via permanente; Antonio Cardoso de Moraes, representante dos chefes de trem, Francisco Gomes, representante da UNIÃO de São Paulo e José Leite, ferroviário e vereador em Prudente. O assunto principal foi o não cumprimento de acordo para pagamento de atrasados  a partir de 1º de março, com a categoria deliberando não aceitar que o pagamento fosse a partir de 1º de julho.
Em 10 de outubro, o delegado de policia informava por Radiotelegrama, a relação dos vereadores eleitos em Prudente, nas eleições daquele ano e dentre eles, José Leite.
Em 13 de Abril de 1964, o delegado de Presidente Prudente, Custódio Sampaio enviava radiotelegrama para São Paulo, informando que Leite era agitador grevista, pertencendo a UNIÃO e a Frente de Mobilização Nacional, merecendo registro o fato de nesta data Leite já estar preso em São Paulo.
Em 11 de maio de 1964, o Delegado Regional de Policia de Presidente Prudente, Custodio Pinto Sampaio, informava que os vereadores Jose Leite e Rafael de Lala Sobrinho estavam sendo sindicados pela Câmara Municipal que investigava suas possíveis atividades subversivas. Leite era acusado de pertencer a UNIÃO e a Frente de Mobilização Nacional, sendo que os trabalhos da comissão sindicante ainda não haviam sido encerrados e que naquele momento, o mesmo não estava desenvolvendo atividades subversivas.
Em 26 de maio de 1964, em sessão da Câmara Municipal de Presidente Prudente, utilizando-se da tribuna, denunciou o tratamento que havia recebido no presídio no período de vinte e três  em que esteve preso, por ocasião da eclosão do Golpe Militar de 1º de Abril de 1964, denunciando ainda que foi preso por denúncia, a policia,  por parte do vereador Ivan Nogueira de Almeida, acabando por se referir a mãe do denunciante, o que acabou gerando tumulto naquele legislativo, e segundo radio telegrama enviado pela policia prudentina para São Paulo, o tumulto enveredou para pancadaria com envolvimento de Leite, Ivan e mais os vereadores: Joaquim Zeferino Nascimento, Ubaldo Gomes Correa e Thomé Atala, com o plenário se transformando em um pandemônio, segundo o agente policial.
Logo depois, em 3 de junho, a Comissão Sindicante da Câmara Municipal, apresentava seu relatório final. Vamos a ele:
“... em cumprimento a deliberação desta douta Câmara Municipal, a Comissão Especial, composta pelos vereadores infra-assinados, para o fim de apurar quanta haja em relação aos vereadores Rafael de Lala, Demosthenes Basso e José  Leite, sobre atividades subversivas que eventualmente desenvolveriam, vem apresentar seu relatório pela forma seguinte, para submete-lo a apreciação do ilustre plenário: 1- O objetivo da Comissão Especial foi, precipuamente, o de apresentar elementos a edilidade prudentina, a-fim-de que pudesse a mesma integrar-se dentro do espirito da revolução de 31 de março, efetuando o expurgo em seu meio dos vereadores porventura implicados nos movimentos subversivos que justificaram a epopeia revolucionária de 1964.- 2 – Nesse sentido, pôs-se em campo a Comissão, procurando por todos os meios em seu alcance, quer coligindo dados na policia local, quer fazendo um retrospecto das atuações dos edis em causa, quer tomando informações  junto a pessoas de todas as camadas sociais e classes profissionais, tendo chegado as conclusões abaixo contidas.- 3- Preocupou-se ela em não se deixar levar pelas paixões dominantes em épocas de grandes mutações sociais e politicas e sobretudo, sem não se influenciar por insinuações e sugestões sem fundamento e causa, trazendo exclusivamente os dados objetivos, comprováveis a qualquer tempo e por qualquer pessoa, a-fim-de que a Câmara Municipal não viesse a laborar em erro, cometendo injustiça contra seus pares.- 4- Face a inconveniência e a inanidade de uma apreciação conjunta em relação aos nomes propostos, entendeu a Comissão que deverá analisar separadamente as circunstancias relacionadas com cada um dos senhores edis relacionados, por ser evidente a desvinculação entre os mesmos e por diversas serem suas atuações politicas, quer seja no plenário da Câmara, quer seja fora dele.- 5- Assim, desdobradas as apreciações, relata a comissão, o conjunto de circunstancias, ligado a cada um dos vereadores propostos: II – VEREADOR JOSÉ LEITE- Encontrava-se em suas funções de ferroviário, por ocasião do movimento revolucionário de 31 de março, tendo permanecido na cidade e em seu posto, após ele. Cerca de cinco dias depois do início do movimento, por ordem radiográfica policial, foi detido para averiguações, tendo sido liberado no mesmo dia, após prestar declarações verbais que foram reduzidas a termos, perante Dr. Delegado Regional de Policia. Decorridos alguns dias, foi detido e encaminhado ao DOPS, a ordem de cuja instituição, permaneceu na capital por vinte e três dias, tendo sido liberado após prestar depoimento. Segundo consta, nada foi apurado contra referido edil, quanto a suas implicações com grupos de agitação politica organizados. Como é sabido, o edil em causa é ferroviário, cuja classe tem estado em constantes conflitos com os órgãos dirigentes, em razão de aumentos de vencimentos e reinvindicações de vantagens funcionais. Tem ele assim, participado ativamente, como líder classista, de todos estes movimentos. A Comissão chegou a conclusão que deva ser mantido o seu mandato, eis que nenhuma prova cabal foi apurada contra o mesmo edil, nem mesmo pelos órgãos especializados da Policia Estadual.
O relatório é assinado pelo relator, vereador José Jorge Tannus; pelo presidente da Comissão, vereador Moacyr Miranda; pelo vereador Aurelino Alves Coutinho, membro e Ippo Watanabe, membro suplente.
Em 7 de outubro de 1964, por decreto do governador Adhemar de Barros, foi demitido da ferrovia, com embasamento no artigo 7º, alínea “g” do Ato Institucional de 9 de Abril, deste mesmo ano. Logo no dia seguinte, Adelmo Santos Reis Vanalli, diretor da Rádio Presidente Prudente, escreveu uma carta a uma pessoa identificada simplesmente como Menezes, solicitando apoio a Leite. Vamos a ela:
“... o José Leite é nosso amigo comum e agora foi atingido por uma decisão eminentemente politica, cujo interesse, você bem conhece: alijá-lo da luta de oposição que até aqui tem sustentado valentemente.
A titulo de enquadrá-lo no Ato Institucional, acaba de ser exonerado da EFS.
Dai a razão pela qual não titubeamos em dar-lhe nosso voto de confiança, na certeza de que privamos da amizade de um espirito lutador e itimorato. Esperando que v. possa ampará-lo neste difícil transe, aceite um abraço amigo...”
Em 4 de setembro de 1965, Leite encaminhava requerimento ao Diretor da Estrada de Ferro Sorocabana:
“...considerando que em outubro de 1964, fui demitido da  E.F. Sorocabana com base no artigo 7º do Ato Institucional, venho mui respeitosamente expor a V. Excia., o seguinte:
Que fui detido pelo D.O.P.S., por interferência direta de adversários políticos, ligados ao Governador do Estado, onde estive preso durante o período de 5 de abril a 3 de maio de 1964, de onde fui posto em liberdade sem prestar depoimento algum, ouvindo a simples afirmativa do senhor delegado, que ali nada constava contra mim e que a própria E. F. Sorocabana, por intermédio de seu diretor, dava a mesma informação.
Que fui demitido da E.F. Sorocabana, também por simples perseguição politica do mesmo grupo, e que tal perseguição não era desconhecida de V. Excia.
Diante destes fatos consumados, tomo a liberdade de requerer de V. Excia., com base no próprio Estatuto dos Ferroviários, o pagamento dos dias em que estive detido, bem como o pagamento de parte das férias e o 13º mês, correspondente ao período de janeiro a outubro de 1964.
Sem mais, contando com a atenção costumeira de V. Excia., firmo-me com estima e alta consideração...”
Em 11 de novembro de 1965, foi publicada a lei 9081/65 que garantia uma pensão para as esposas dos funcionários públicos demitidos, pensão esta com o valor correspondente a 50% do salário base, sem considerar os benefícios que estaria recebendo, se na ativa estivesse permanecido. Esta pensão era conhecida como “viúva para efeitos de contabilidade” ou como “viúva com marido vivo”, e para poder recebê-la o punido pelo Ato Institucional tinha que conseguir junto a uma autoridade ou a um cartório, declaração onde constasse que o mesmo não exercia nenhuma atividade laboral, junto a órgãos públicos. Como diziam os punidos, quando se encontravam: para a esposa receber uma pequena pensão, tinham que conseguir um atestado de vadiagem.
Coisas da ditadura.
Em 8 de março de 1967, o então delegado de polícia de Presidente Prudente, Renato Ribeiro Soares, encaminhava listagem  dos comunistas e agitadores da região, e claro, Leite estava nesta relação:
“...pertencia anteriormente ao P.T.N., pertencendo atualmente ao MDB. Suspeito de possuir ideais comunistas, tendo já sido exonerado do quadro de funcionalismo da Estrada de Ferro Sorocabana, por haver praticado atos de caráter subversivo...”.
Posteriormente o delegado Renato Ribeiro Dias foi acusado em Ribeirão Preto de ter torturado diversos militantes da Frente de Libertação Nacional – FLN -, e dentre os torturados estava Madre Maurina Borges da Silveira, que acabou sendo libertada por ocasião do sequestro do cônsul japonês em São Paulo, ocasião em que a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR – solicitou a liberdade de cinco presos políticos, para libertar o cônsul, dentre eles a Madre Maurina.
Reeleito vereador em 1968, no relatório encaminhado para São Paulo é citada sua prisão e demissão da Sorocabana, em 1964, sendo acrescentado que teve intensa participação, em trabalho constante de agitação, quando da presença do líder camponês Jofre Correa Neto na região. Jofre se notabilizou pela organização de trabalhadores rurais em busca da reforma agrária e na região de Prudente, contou com o apoio de Leite.
Em 13 de fevereiro de 1975, por intermédio de oficio reservado, o Delegado Seccional de Polícia de Presidente Prudente, Detio Frattini comunicava aos seus superiores:
“... pelo presente, oficio a V. Sa., que faleceu em acidente automobilístico nesta cidade, Jose Leite, residente nesta cidade, ex-vereador e ex-ferroviário, afastado da FEPASA, participou de reuniões e greves, sendo preso na revolução passada, tendo sido atuante no PC – Partido Comunista...”
Em 16 de julho de 2009, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em sessão com a presença dos conselheiros: Juvelino José Strozake, Rodrigo Gonçalves dos Santos e a relatora Vanda Davi Fernandes de Oliveira, deram provimento ao requerimento de anistia, formulado pela senhora Deolinda Gato Leite, viúva do ex-perseguido politico:
“... concedendo a declaração de anistiado politico “post mortem” ao senhor José Leite, nos termos do artigo 1º, inciso I da lei número 10559 de 13 de dezembro de 2002, e o pedido de desculpas do estado Brasileiro”.
Neste processo, dona Deolinda foi representada pelo autor deste livro.

José Leite, além da viúva Deolinda, deixou os filhos: José Carlos, Maria Lucia, Gerson Ricardo e Maria Antonia e escreveu uma bela história de vida, representada na defesa intransigente da classe ferroviária, enquanto líder sindical e na defesa dos interesses populares, enquanto vereador.

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