sexta-feira, 1 de maio de 2009

IRMÃOS PETIT: A SAGA DE UMA COSTUREIRA.

“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.
Fernando Pessoa

Vou tentar escrever nas páginas a seguir, um resumo da história de três militantes do Partido Comunista do Brasil – PcdoB -: Jaime, Lúcio e Maria Lúcia Petit da Silva, filhos de uma adorável e doce mulher, dona Julieta Petit da Silva, que carrega no semblante a tristeza de não saber o paradeiro real das sepulturas de seus filhos Jaime e Lúcio, que tombaram mortos em confronto militar no Araguaia.
Da filha Maria Lúcia, ainda resta o consolo de ter tido sua ossada identificada e sepultada com dignidade no Cemitério Jardim do Ipê, na cidade de Bauru. Mesmo depois de descoberto os restos mortais da filha, a mãe em conjunto com os filhos sobreviventes – Laura e Clóvis -, trilharam um caminho de incertezas e agonia até que os peritos da UNICAMP confirmassem a identidade da guerrilheira morta em combate. Foi necessário localizarem na cidade de Duartina, o cirurgião-dentista Jorge Tanaka que havia tratado dos dentes da então jovem professora, para que este comparecesse na UNICAMP e reconhecesse na arcada dentária de Maria Lucia, uma coroa por ele implantada. Tão-somente após a presença deste dentista é que os peritos da universidade campineira vieram a confirmar a identidade dos restos mortais.
Para Maria Lúcia, a mãe e irmãos providenciaram sepultura digna e conhecida, onde podem reverenciar a memória do ente querido, que teve homenagens dignas de uma verdadeira heroína em seu velório, entretanto, dos cinqüenta e nove desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, somente ela teve os restos mortais reconhecidos e ganhou o direito de uma sepultura conhecida. Os demais continuam sepultados em locais ignorados ou mesmo com seus restos mortais no aguardo de identificação.
Portanto, continua a luta desta destemida e humilde costureira, em busca do real paradeiro dos restos mortais de seus filhos Jaime e Lúcio, para que possa sepulta-los juntamente com a filha localizada, depois de uma persistente busca.
O mostrar o que poderia ter levado três irmãos a perseguirem um objetivo comum, o da luta contra um regime tirano e assassino, que não tolerava as manifestações da oposição.Morando em Duartina, Piratininga, Agudos, Iacanga e Bauru, estes jovens não possuíam envolvimento político-partidário e alimentavam um único sonho: o de poderem adentrar a Universidade. No centro-oeste do Estado de São Paulo, onde moravam com a família não existiam escolas públicas e a família não possuía recursos para manter os filhos em faculdades particulares, razão pela qual resolveram partir para as Minas Gerais, mais especificamente Itajubá, onde tentariam adentrar a Universidade Pública.
Obtiveram êxito, passando no vestibular e adentrando a faculdade, vendo o sonho se transformar em realidade, podendo estudar e um dia ajudar a mãe a aposentar a máquina de costura, com a qual completava a duras penas o orçamento doméstico.
Dentro da Universidade, conhecem de perto o outro lado da moeda.
A censura, a existência do malfadado Decreto 477, invenção do coronel e Ministro da Educação Jarbas Passarinho, hoje articulista “conceituado” do Estadão, que buscava amordaçar a classe estudantil, impedindo que externassem suas opiniões sobre a situação política de nossa pátria. Ficam sabendo que colegas estudantes que ousaram desobedecer às determinações governamentais, foram expulsos das universidades e presos pela polícia política, e uma vez encarcerados foram impiedosamente torturados, muitos até a morte, por serem considerados perigosos “criminosos de opinião”.
Jovens criados no então pacato interior do Estado de São Paulo, acostumados com a liberdade e a viver em constante contato com os amigos e familiares, tomavam conhecimento dentro da universidade de que ali a liberdade era restrita e de tudo poderiam falar, excetuando-se os comentários sobre a situação política do país e menos ainda, sobre a critica fase que o ensino brasileiro atravessava.
Porque não?
Essa era a pergunta que ficava perene na cabeça destes jovens ávidos em adquirir conhecimentos e poder aplica-los em benefício do povo brasileiro. Afinal, estavam cansados de ouvir que os jovens eram o futuro da nação e na qualidade de membros desta juventude, sentiam-se no direito de ter acesso a todas as informações sobre a situação política, econômica e educacional de sua pátria. Não poderiam jamais se considerar o futuro da nação, se lhes era proibido conhecer o presente e o passado de seu povo.
O governo ditatorial com suas medidas restritivas de liberdade de expressão e de opinião conquistava mais dois adversários, fazendo aflorar o espírito guerreiro de dois jovens do interior de São Paulo.
Jaime e Lúcio iniciaram a busca para entender por que era proibido questionar ou opinar, dentro de uma pátria que julgavam livre. Buscaram, até encontrar o Partido Comunista do Brasil e no então proscrito partido iniciaram sua militância política em busca da liberdade do povo brasileiro. Atuando no Movimento Estudantil, levando para o conjunto de estudantes as propostas marxistas do partido que defendiam como instrumento de lutas para a liberdade de nossa pátria. Lá nas Minas Gerais, começava a ser construída uma bela página de lutas, conquistas e derrotas dos Irmãos Petit.
Jaime, no ano de 1968 foi escolhido para participar do clandestino Congresso da União Nacional dos Estudantes, na cidade de Ibiúna, interior de São Paulo. Não vamos aqui, discorrer sobre o congresso e a sua frágil organização, facilmente descoberta pela repressão da ditadura, pois disto se encarregaram de tratar outras publicações. Preso, juntamente com tantos outros participantes deste encontro, no distante ano de 1968, o jovem acabou por ser condenado à revelia, a trinta meses de prisão, pela 2ª Auditoria Militar de São Paulo.
Acostumado com a liberdade, com o canto livre dos pássaros em sua terra, não lhe passava pela mente, a idéia de ficar dois anos e meio preso, pelo hediondo crime de ter tentado participar de um congresso representativo de sua classe, a classe estudantil.
O partido oferece uma alternativa que entusiasma o jovem Jaime. Estava montando um campo de treinamento de guerrilha rural, no Araguaia, para onde estavam enviando os militantes queimados e visados pela repressão. O trabalho inicial destes militantes, seria o de organizar as bases de apoio para a guerrilha rural que eclodiria quando do aumento da insatisfação popular nos grandes centros.
Estes jovens teriam que conhecer a mata e se aproximar de seus moradores, para tê-los ao seu lado, quando do inicio do movimento guerrilheiro em nossa pátria. Jaime, de pronto aceitou a proposta do Partido e entusiasmado com a idéia, acabou por recrutar a própria esposa, Regilaine; o irmão Lúcio e sua esposa Regilene e a querida irmã Maria Lúcia, professora primária de formação e bancária de profissão.
Família que luta unida, permanece unida!, deve ter sido o pensamento deste jovem militante comunista, ao se dirigir com os irmãos e cunhada para o campo de treinamento, localizado as margens do Rio Araguaia.
A esposa e a cunhada acabaram por não resistir a difícil vida na selva.
Regilene acabou sendo retirada pelos próprios companheiros, por estar grávida e sem condições de ali permanecer. Regilaine preferiu o outro caminho: o da deserção, entregando-se as forças policiais que ali se encontravam, na tentativa de capturar os aprendizes de guerrilheiros.
Ficaram Jaime, Lúcio e Maria Lúcia.
Três guerreiros destemidos gerados no ventre da corajosa Julieta. Eram três irmãos imbuídos de um mesmo ideal: a libertação do povo brasileiro.
Não tinham entre si divergências no modo de ser ou contrastes políticos para serem aparados, pois compartilhavam com orgulho incomum do mesmo pensamento. Fazer política por pura necessidade econômica não moviam estes jovens rumo a luta, pois como marxistas que eram, defendiam com ardor a implantação de uma sociedade igualitária.
Enquanto no campo, distante dos centros urbanos e dos olhos da repressão, o PcdoB implantava seu campo de treinamento de guerrilha, buscando organizar o povo faminto e criar rede de apoio para a luta contra a tirania, nos grandes centros urbanos, organizações revolucionárias, resolviam partir para o confronto contra as forças repressivas.
Duas táticas diversas entre si, que acabaram por convergir para o mesmo lugar: o fim e o desmantelamento das organizações e de seus planos, além do prejuízo incalculável da morte de dezenas de militantes contrários ao regime militar.
Dentre eles: Jaime, Lúcio e Maria Lúcia.
Corajosos e desprendidos filhos de Julieta.
Ousados e destemidos filhos do povo brasileiro.

2 comentários:

  1. Sei que pode ser um comentario simplista e superficial, mas o regime que tanto questionavam os irmaos Petit... qual era o ideal, queriam eles implantar o comunismo no Brasil ?

    sair de uma ditadura para um modelo Russo?
    hj eh sabido que o verdadeiro comunismo nunca existiu em nenhum lugar do planeta, vide exemplos da Russia, Cuba, e por ai vai...

    penso que herois sim foram os que deram a vida, porem que lutaram para implantar a democracia e nao por vias comunistas.

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  2. Caro:
    Em um regime verdadeiramente democrático ninguém é preso por crime de opinião.

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