sexta-feira, 1 de maio de 2009

JOSÉ DUARTE

Português de nascimento, filho de José Mateus e de dona Maria Coimbra Manaia, chegou ao Brasil em 1907, com quatro meses de idade e em 1921, aos quatorze anos de idade, já morando em Bauru, na Vila Falcão, conseguiu emprego no setor de tração da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, onde iria começar a sua trajetória de lutas em defesa da classe trabalhadora e na defesa intransigente dos fundamentos do marxismo, que o transformariam em um dos principais dirigentes do comunismo brasileiro, sendo que por sua intensa militância política, passou praticamente dezessete anos nos cárceres, durante o Estado Novo de Getulio Vargas e posteriormente durante a Ditadura Militar, sendo que o tempo em que permaneceu em liberdade, era constantemente vigiado pela polícia política, o que o fazia mergulhar na vida clandestina, sempre trabalhando pela organização da classe trabalhadora e pelo fortalecimento de seu Partido Comunista. Seu primeiro contato político ideológico, foi com o jornal anarquista “ A Lanterna”, em início da década de 20, e muito embora procurasse, não encontrava as lideranças comprometidas com as lutas dos trabalhadores, o que veio a ocorrer em 1º de Maio de 1924, quando da realização de uma concentração de trabalhadores nas dependências do Cine São Paulo, sendo certo que ao final desta reunião pública, quando compareceram trabalhadores de várias cidades do centro oeste do Estado de São Paulo, o espanhol e lenheiro da Estrada de Ferro, recrutou-o para pertencer aos quadros do Partido Comunista.
No distante 1924, Duarte começava a sua trajetória intransigente em defesa dos direitos da classe trabalhadora, lutando pela implantação da semana inglesa, melhores condições de trabalho, e outras reivindicações pertinentes a classe ferroviária e no dia 29 de julho 1924, chegavam a Bauru, as tropas revoltosas de Isidoro Dias Lopes, Miguel Costa e João Cabanas, com os diretores da ferrovia e as autoridades políticas da cidade, empreendendo fuga, tendo o Capitão Otávio Muniz Guimarães assumido o comando da Estrada de Ferro e de imediato determinado o pagamento de dois meses de salários dos ferroviários, que encontravam-se atrasados, angariando de imediato a simpatia da massa trabalhadora. O prefeito da cidade, Carlos Jose Gomes que havia abandonado seu posto, foi substituído no comando da municipalidade pelo Dr. Octávio Pinheiro Brizola, simpático das lutas empreendidas pelos revoltosos. Tomado de entusiasmo com a revolta, Duarte alistou-se na chamada “Coluna da Morte”, liderada pelo Tenente Cabanas, que fazia a retaguarda das tropas, protegendo-a dos ataques dos chamados “legalistas” Foi fazer parte do grupo de destruição, também conhecido como grupo de engenharia, sob o comando do Sargento Philogônio Antonio Teodoro, mais conhecido como Sargento Filó, tendo participado de duas ações, como integrante da “Coluna da Morte”: a destruição da ponte sobre o Rio Tiête, que ligava Airosa Galvão a Pederneiras e a retirada das tropas com destino a Botucatu. Rápida atuação, de pouco mais de um mês e que demonstrava a bravura e coragem deste então jovem português, tendo retornado a Bauru em final de setembro, tendo sido readmitido nos quadros da Noroeste. Ao retornar a Bauru, juntamente com o Dr. Jerônimo de Cunto Junior,m Capitão Esdra, Luis Guiomede, Bento Xavier da Silva, os irmãos Itaim e Itamir Martins, Estevão Gomes, dentre outros, fundou a Liga Cívica 5 de Julho, com a finalidade de divulgar as atividades da coluna e desenvolver atividades políticas na legalidade, buscando manter o ardor patriótico e a esperança na revolução e através da Legião Cívica, encaminhavam grande parte das tarefas do Partido, participando igualmente de uma célula (base) da qual faziam parte: Antonio Açucena Maia, Paulino Rodrigues da S. Castro, Melquiades de Souza, Bento Xavier da Silva e Joaquim Marques, e neste ano, de 1925, a repressão contra os comunistas era grande e o cuidado com o recrutamento de novos militantes era redobrado, fazendo com que seu crescimento fosse lento. A repressão contra os comunistas era apoiado ostensivamente pela Igreja Católica e os padres chegavam ao desplante de afirmar em seus sermões que matar comunista não era pecado. No final desta década de 20, Duarte participou ainda da criação do BOC – Bloco Operário Camponês, buscando lançar candidatos afinados com a ideologia do PC e conseqüentemente divulgar legalmente suas palavras de ordem. Em 1929, participa de mais uma ação em defesa da liberdade da classe trabalhadora, pois em Agudos havia sido fundada a União Operária, tendo a polícia prendido toda a sua diretoria. Duarte, alguns companheiros do partido e trabalhadores de Bauru, lotaram um caminhão e dirigiram-se até a vizinha cidade, reunindo-se com trabalhadores e ativistas do partido naquela localidade. Portando armas de fogo, facas, pedaços de pau e pedras, convenceram a guarda da cadeia a libertar os presos e no dia seguinte, após a festa dos trabalhadores pela libertação dos companheiros presos, Duarte sofria a primeira de uma série de prisões, que viria a enfrentar em sua vida.
Trabalhoso foi a fundação do Sindicato dos Ferroviários, com Duarte fazendo parte da Comissão Provisória criada com a finalidade de instalar a entidade representativa da classe ferroviária, onde juntamente com Oswaldo Alves, Luiz Guiomede, Eustáquio Bittencourt e os irmãos Itaim e Itamir Martins, enfrentou as dificuldades de implantar uma entidade não atrelada ao governo e a diretoria da Estrada de Ferro, sendo implacavelmente perseguido pela direção da Estrada de Ferro e em contra partida contando com o apoio da categoria profissional. Em decorrência de sua atuação à frente do sindicato e de seus discursos inflamados, acabou por sofrer algumas prisões. Em 24 de Outubro de 1930, quando da deposição de Washington Luis, Duarte participou ativamente de mais duas ações, colaborando com o empastelamento de dois jornais contra-revolucionários: Correio de Bauru e Diário da Noroeste. Cabe ressaltar que o Partido Comunista não apoiara e não participara da revolução, entretanto Duarte na rebeldia característica da juventude, apoiava o movimento como integrante da Legião Cívica 5 de Julho, agora presidida por Octavio Pinheiro Brizola. Antes mesmo da revolução, os membros da Legião viam seus quadros sendo ampliados, com a adesão do jornalista Correia das Neves, Evaristo Gonçalves da Silva e membros da família Fraga de Nogueira. Chegaram a ser realizadas reuniões entre o Tenente Siqueira Campos e os opositores, em um barracão localizado no meio do cafezal da Fazenda Sossego, em Tibiriçá.
Em 1931, casa-se com Izabel Pellegrina, filho de Antonio Pellegrina Ruiz e de dona Joaquina Arqueladas, moradores da Vila Falcão, mais precisamente na Praça, hoje denominada de Euclides Paixão, e a militância de Duarte continuava cada vez com maior intensidade. Em 1932, juntamente com o Partido Comunista posicionou-se contra a Revolução Constitucionalista, sendo por tal posição ameaçado de morte e achincalhado nas ruas da cidade, e com o termino do curto movimento, com a derrota dos paulistas, acabaram por reconhecer que Duarte e os comunistas estavam corretos em seu posicionamento, que visava unicamente evitar a derrubada de sangue da juventude paulista e os consagraram como defensores do povo e da paz. Em 1933, em companhia de outros ferroviários e inspirado nos “kolkozes” da União Soviética, fundaram a Cooperativa da Noroeste, que funcionava no segundo quarteirão da Rua Primeiro de Agosto, em uma sala acanhada, onde existiam apenas uma balança e alguns sacos de cebolas, único produto que conseguiram de início disponibilizar para os associados, entretanto reinava o otimismo e as lideranças ferroviárias tinham a absoluta certeza de que a entidade prosperaria. De fato, fundada no início de 1933, pouco tempo depois ela ocupava de 10 a 15 vagões de mercadorias, que percorriam os 1300 quilômetros da ferrovia, ocupando facilidades para o escoamento de seus produtos, principalmente em virtude do alto custo de vida na época. Solidificada a Cooperativa, com apoio entusiasta da classe ferroviária, Duarte inicia a luta pela implantação da semana inglesa, ou melhor, dizendo, o direito de poder trabalhar nos sábados até o meio dia. Getúlio Vargas aprovara para os funcionários públicos e para os da União, entretanto para os ferroviários, a semana inglesa beneficiava apenas os funcionários dos escritórios e das oficinas. No inicio de 1934 era o maquinista do trem do lastro, para as equipes que trabalhavam na conserva e alertou o pessoal de seu percurso, para não deixarem trabalho inacabado perto do meio dia e articulou com os outros maquinistas dos demais trens de lastro. Às onze horas, dirigiu-se ao pessoal das turmas:

“Quem não quiser voltar a pé, embarque, pois a partir de agora é a semana inglesa!”.

As discussões sobre aumento salarial, melhoria das condições de trabalho e promoções atrasadas agitavam as Assembléias Sindicais, com a NOB recusando-se a atender as reivindicações e neste ano de 1934, acabou por ser deflagrada greve da categoria, atingindo as oficinas e parte da estação. A intervenção pacifica da polícia colaborou para que o movimento fosse tranqüilo e as reivindicações da classe ferroviária acabaram por ser rapidamente atendidas, com o movimento paredista terminando em festa de confraternização entre os grevistas e policiais. Fato raro!
Esta greve coincidiu com o início da safra de café e os trabalhadores da Fazenda Val de Palmas, em número aproximado de cinco mil agitavam se com suas reivindicações: aumento no preço por saca de café colhido, direito de criar animais domésticos e um pedaço de terra para plantio de roças de subsistência, sendo que os donos da fazenda chamaram a polícia para que esta estivesse ao seu lado, no momento discutir as reivindicações dos trabalhadores, até como forma de intimidação, entretanto, o tiro saiu pela culatra e após ouvi-las, o próprio comandante do 4º Batalhão dos Caçadores, João Dias de Campos, aconselhou aos proprietários da propriedade a atender aos pleitos formulados pelos trabalhadores. Todavia, quem colaborara de forma decisiva para a organização do movimento dos camponeses tinha sido o militante Duarte, que ao tomar conhecimento do movimento grevista, dirigiu-se até a Fazenda com a intenção explicita de colaborar com o movimento. E não perdeu tempo, ao final do movimento vitorioso, recrutou dois líderes camponeses para as fileiras do Partido Comunista: José Pedro e Oswaldo Pacheco, sendo que em 1935, Pacheco foi preso, torturado e morto pela polícia, dentro do Presídio Maria Zélia, na cidade de São Paulo.
As atividades de José Duarte eram múltiplas, sempre na defesa da classe trabalhadora e na luta pela ampliação constante dos quadros do Partido Comunista e em 05 de Outubro de 1934, o líder nacional dos integralistas Plínio Salgado visitou a cidade de Bauru, sendo recebido com festas por seus correligionários na Estação Ferroviária e se dirigido ao Hotel Cariani com a finalidade de descansar, e poder participar das atividades públicas marcadas para o restante do dia, enquanto seus adeptos dirigiram-se em passeata com destino a Praça Rui Barbosa, onde seria realizado o comício integralista, e enquanto isso corria a notícia de que haveria um confronto entre integralistas e comunistas, sendo este boato alimentado por um panfleto distribuído pelos seguidores de Plínio Salgado, onde acusavam os componentes do 4º Batalhão de Caçadores de Comunistas. A passeata sobe a rua Batista de Carvalho, tendo a frente os Delegados de Polícia e integralistas, Elpidio Reale e Joaquim Rolim Rosa, portando as Bandeiras Nacional e dos Integralistas. Duarte ao ver a cena não se conteve, dizendo em voz alta:

“Isto não é possível. Eles são traidores da Pátria e não podem carregar a Bandeira Nacional, que é coisa sagrada”.

Imediatamente as bandeiras foram tiradas das mãos dos delegados e a da Ação Integralista lançada ao chão e queimada, tendo inicio um tiroteio, com o ferroviário e comunista Afonso Aranda, que posteriormente morreu combatendo o fascismo de Franco, na Guerra Civil Espanhola, sendo atingido de raspão na perna, tiro este disparado muito provavelmente por Nicola Rosica, que imediatamente foi atingido por um tiro, cuja procedência ninguém soube explicar, acabando por morrer e em conseqüência desta luta, mais uma vez Duarte acaba sendo preso.
Em 1934 ainda, ocorre por todo o Brasil a criação da ANL – Aliança Nacional Libertadora -, sendo que na cidade de Bauru a proposta para sua organização partiu do Sindicato dos Ferroviários da NOB e em seu lançamento já contava com a participação de membros da Legião Cívica 9 de Julho, militares do 4º Batalhão de Caçadores e de vários outros setores da sociedade, entretanto, Getúlio Vargas, vendo o crescimento vertiginoso da nova organização popular, resolve determinar o seu fechamento, sob a acusação de estar sendo controlada pelos comunistas. Confiavam os dirigentes aliancistas na realização de uma greve geral de protesto, com a conseqüente deflagração de um levante popular, o que não ocorreu e poucos setores ensaiariam isoladamente uma resistência e em Bauru, a Noroeste do Brasil parou por quatorze horas e diante da violência da repressão lançada sobre os grevistas não conseguiram manter o movimento. Para variar um pouco, inúmeros ferroviários foram presos: Luis Guiomede, Antonio Pellegrina, Antonio Açucena Maia, Estevão Gomes, Paulino da S. castro, dentre tantos outros.
Em março de 1941, Duarte era novamente preso e encaminhado para o Presídio Tiradentes, sendo posteriormente transferido para o Presídio da Ilha Grande, de onde tão-somente saiu com a Anistia Política de 1945, em 18 de Abril. Condenado a sessenta e oito anos de prisão, conquistava a liberdade e com a legalização do Partido Comunista, veio a colaborar para organizar o Diretório Municipal em Bauru, que tinha sua sede na Avenida Rodrigues Alves, em um imóvel de propriedade do Dr. Silvino Spíndola, que por ironia do destino era integralista, e nas paredes pintadas de verde do imóvel sobressaia a placa vermelha, com o desenho da foice e do martelo, e com a legalidade do Partido, começavam a surgir novas lideranças operárias em nossa cidade, como Antenor Dias, Arcôncio Pereira da Silva, Elias Calixto Bittar, Enéas Ildefonso Martins, Walter Martins, Julio Xavier, dentre tantos outros.
Com a prisão na Ilha Grande, onde conviveu com grandes lideranças marxistas brasileiras e dentre elas o líder baiano Carlos Marighella e tendo saído definitivamente da Noroeste, Duarte alçou vôos maiores dentro do Partido Comunista, dedicando-se em tempo integral a sua construção. Focalizamos a atuação deste líder ferroviário e comunista até o início dos anos 50, quando partiu para outras regiões do país, e deixando par trás um partido sedimentado e forte no centro oeste paulista. Duarte chegou ao Comitê Central do Partido Comunista e quando da criação do PcdoB, em inicio dos anos 60, acompanhou João Amazonas, Pedro Pomar e outros companheiros para a formação do novo partido. Preso novamente, quando da Ditadura Militar de 1964, permaneceu em presídios de São Paulo, Fortaleza/CE e Brasília. Viveu grande parte de sua vida na clandestinidade e passou dezessete anos nas masmorras das ditaduras que ousou enfrentar, em defesa de seus ideais e da liberdade do povo brasileiro. Português de nascimento costumava alardear por onde passava em vida legal que era de Bauru e sem dúvida alguma, muito embora fosse um ser humano polemico e controvertido, podemos afirmar sem medo algum de errar que foi um dos principais militantes comunistas surgidos na cidade de Bauru e responsável direto pelas atividades do Partido Comunista nesta região por quase três décadas.
Finalizando o esboço da história de José Duarte, entendo como de bom alvitre transcrever um trecho de seu depoimento na Auditoria Militar, no ano de 1973, quando já contava com 66 anos de idade e encontrava-se mais uma vez preso:

“que após a aplicação de métodos científicos que o interrogando classifica como sendo tortura, veio o mesmo a sofrer um desmaio que durou aproximadamente cinco horas; que o interrogando quando volveu a si, verificou que no Hospital das Forças Armadas, em Brasília; que veio a tornar a si quando era-lhe efetuado, em sua pessoa, um eletrocardiograma; (...) que quer esclarecer que, se pelo menos não servir para o processo, sirva para a história, que foi o interrogando encaminhado para este hospital com o nome trocado, ou seja, em vez de José Duarte, foi lhe atribuído o nome de José dos Reis e que após a recuperação, retornou ao Quartel da Policia Militar de Brasília, isto após quinze dias de tratamento...”.

Lendo o livro “José Duarte – o maquinista da história –“, do jornalista Luís Momesso, chegamos a achar que o velho Duarte aumentava um pouco a sua luta, mas ao lermos este trecho de seu depoimento na Auditoria Militar, comprovamos de vez a altivez, a dignidade e a seriedade deste histórico militante comunista. De Bauru para o Brasil, em toda a sua história de militância partidária mostrou coerência.
De se lamentar, que ao final de sua vida, acamado e com visíveis seqüelas decorrentes de um derrame celebral, sofreu outro baque e este definitivamente fatal para sua saúde. Os neocomunistas, aqueles que estavam e estão no comando do Partido Comunista do Brasil, dentre eles o Deputado Federal Aldo Rebello, abriram um processo de expulsão contra o velho militante, acusando-o de divisionista. José Duarte, que sofreu bravamente as torturas a ele impostas pela polícia política, não resistiu a este golpe que vinha justamente de onde considerava ser a sua segunda família e veio a falecer, deixando, entretanto seu nome inserido na galeria dos heróis da classe trabalhadora.

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